sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A maldição do Divino


A Servidão

A alteração.



"Horror do mundo exterior, questionamento das instituições e tradições sociais, religiosas e intelectuais, a profecia não se limita a ser apenas isso e a expor por esta razão o profeta a todo tipo de perseguições e ao sofrimento. Ela impõe a dor na própria alma do profeta , colocando-se contra ele. EscÂndalo do mundo, a profecia é igualmente escândalo para o profeta. Esta é seu primeiro adversário, o mais terrível por ser mais íntimo, o mais ameaçador por ser absoluto.

É pela alteração que começa a dor do profeta. Um homem torna-se outro. Ele é arrancado à sua família, a seu meio, suas condições de vida, de mentalidade, a seu temperamento e "jogado" em outro mundo. Ele é subtraído a seu próprio Eu e, transformado, não reconhece mais a si mesmo. Forja-se nele sua própria contradição: ele diz o que jamais havia pensado, ele anuncia o qjue sempre havia repelido. Sua existência é o paradoxo de seu ser. (...). Mas a aceitação do Absoluto é a fonte da miséria.Fulminado por uma ordem cujas exigências ele não diuscute e compreende, , Saul está aterrorizado de ver que é preciso submeter-se integralmente, e que arriscar-se a uma leve hesitação, equivale a tudo recusar. Saul participa a uma ordem totalmente outra, que não pode conciliar com a sua. (...) A tragédia de Saul é caso limite. Pois Saul é o único ser eleito por Deus que jamais o encontrou. Ele está encravado na clareira da história "obrada" por Deus, é o elo de uma cadeia de homens da qual deus se serve para falar ao mundo, mas o próprio Saul jamais entendeu a palavra de Deus. (...) Sua profecia é uma ruah sem davar ( linguagem), mas também sem conhecimento. (...) Este distanciamento de Deus torna a mensagem absolutamente misteriosa. Saul apenas pode decifrá-la; e ele jamais a conseguirá decifrar, é o grande fracasso de sua vida.

(...) Em Jeremias, contra este homem cuja sensibilidade natural vibra sob todos os acentos do amor, se dirige o outro. Profeta, Jeremias deve condenar tudo o que ama, família, amigos, Jerusalem e seu povo, objeto de sua nostalgia e fervor. O amor se desenraíza dele. Pela vocação profética, Jeremias é arrancado ao amor humano, a toda sensibilidade humana e terrestre de simpatia e afeição. (...) Por onde passe, suscitará a desconfiança e a confusão. (...) Ezequiel é obrigado por Deus a come um frango cozido na merda, e o obedece; Oséias, homem pudico, é ordenado a esposar uma prostituta, para mostrar o quão Jerusalém estava prostituída, e com ela dar origem a uma geração; e o faz. Isaías, homem austero e severo, é obrigado por Deus a marchar nu pela cidade por três anos, e obedece, por amor ao Absoluto.(...) A concepção de profecia que Jeremias julga verdadeira funda sua autenticidade na massa, carga imposta de fora, , de forma alguma buscada, desejada, mas inflingida por Deus."


Andre Neher.


"Mas Jesus disse-lhes: um Profeta só é desprezado em sua pátria, entre seus parentes e em sua própria casa". ( Marcos, 6, 1-6).



"Reste que, comme la première insomnie, cette tenue en vigilance par la présence d'autrui ne se choisit pas mais s'impose et affecte de l'infinie souffrance de ne pas être à la hauteur de ce qui arrive: la révelation de la destination éthique du projet d'être. Comme si, éblouissement ou brûlure, la vie était, par-delá le voir, dejà la douleur de l'oeil excédé de lumière; par-delà le contact, dejà l'ignition de la peau touchant- mais ne touchant pas- l'insaissisable. Le Même dérangé par l'Autre qui l'exalte".


Cathérine Chalier, La persévérance du Mal.



...se a linguagem como "habitar do Ser" do protestante "que não ousa dizer o nome" Heidegger não é a versão ontológico-laica deste dom maldito de alteridade- que se diz, se presentifica no Dizer- que os profetas experimentaram, desta intrusão fulminante do Absoluto no Finito que força o finito a tomar figuras e a seguir trajetórias quase monstruosas para se pôr à altura do Absoluto, que eu cegue neste exato momento!!

A posteriade disto, do caráter "destrutivo" , do Totalmente Outro, da intrusão do Absoluto se encontra na teoria romântica de arte como fascinação, na concepção do sublime ou no niilismo suicidaire das vanguardas, que assumiram radicalmente a finitude da arte e de tudo o mais- como uma impossibilidade de dar uma forma total , frontal e única ao mundo total e único que o homem queria forjar, à semelhança de Deus, na cabeça; então, temos o que? cacos, estilhaços, deuses que, à semelhança de Dionhysius, são restos mortais da Totalidade doadora e divinatória que nos acena na primeva Grécia, de uma presença para sempre desaparecida mas que, como toda presença, deixa rastros- cadáveres, memórias, epifanias- a serem, não mais decifrados ( a totalidade a que pertenciam se extinguiu, portanto o contexto e a possibilidade de sua significação idem) mas preservados e conservados na obra como instância: a obra - Dictum-, seja ela profecia, pensamento ou arte, é uma urna funerária...

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