quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Algo que me intriga/não convence na leitura de Emanuel Levinas:


A sua asssociação do Mal com o ser metafísico não é originária. Outros já denunciaram o Ser , o auto-centramento da consciência como fundamento do Sujeito que põe o Outro como objeto ( aquele que se obs-ta, que se opõe a mim), como fonte de coisificação, oclusão de possibilidades de ser, entropia metafísica. Mas me parece que ele confunde, ao analisar a questão do mal, por exemplo, a essência metafísica com a existência do ser finito: o caos primordial que ele designa como o "excesso de Ser" é, na verdade, o Nada, pois a metafísica sempre designou o ser sob a perspectiva do ente, ou seja: como algo de determinado e posto ( mesmo que posto para o Sujeito totalitário da consciência) por seus limites. Ok, a questão do ser não se limita à interpretação de Ser que a metafísica lhe imprimiu, do Ego Cogito que objetiva as demais esfera dos entes; há ser para além e para aquém da determinação metafísica.
Mas é ele, Levinas, quem confunde ambas as esferas, a essência com o existente, o Nada ( ser informe, imediato indeterminado) com o excesso de ser ( trop plein d'être).
O Outro como escapismo ( ou panorama visto do abismo) para a "iremissibilidade de ser", a condenação a si mesmo significaria: combater a essência com a existência? dar ao auto-fechamento circular da metafísica uma fresta, uma brecha? Mas aí ele confunde alhos com bugalhos, pois se Heidegger também parte de determinações analíticas existenciais, de características do Dasein, este sempre fez questão de situá-las no cadre de uma investigação ontológica. Levinas confunde fenomenologia do existente com ontologia, a analítica do ser finito com as categorias da essência totalizante. A categoria (??) do Outro não é originária, pois não é ontológica; se não quiser se perder nas malhas de uma abstração circular e alegórica ( como seu texto muitas vezes arrisca de cair), ele tem de admitir que o diálogo da tradição hebraica dá-se fundamentalmente no terreno da História; e que por mais que a metafísica tenha plasmado e sobredeterminado a História como um território "castrado" por uma teleologia "reconciliante", que oblitera o finito e sua dor, a História não se confunde a princípio com ontologia, ou antes: não é o que lhe interessa, justamente pelo contrário.
A confusão destes domínios é que me parece perniciosa, ou no mínimo vã: pôr como originário -a relação com o Outro , ou o ser-em-relação, como a possibilidade do ser de escapar a si mesmo) o que é secundário, o que é advindo numa situação de Ser que nem eu, nem tu, nem nenhum ser vivente pode determinar; apenas mover-se, mais ou menos desajeitadamente, naquela corda bamba histriônica que é nossa condição, entre o Acaso e a Necessidade, ou antes: entre o grotesco e o trágico. Aliás, a analítica do Dassein heideggeriana e a Kehr consequente já coloca a coisa em seus devidos termos: o Outro é parte estrutural do Dasein, o Mitsein, o ser-em-relação, projetado no tempo através dos objetos e dos outros seres. Mas isto é tarefa preliminar, em vistas a uma ontologia primeira, anterior ao Dasein; Lévinas se atropela e coloca como primeiro o que só se permite eclodir quando a tarefa de implosão das categorias metafísicas for devidamente levada a termo.

O judaísmo a rigor não tem como dialogar diretamente ( me parece), face a face, de igual para igual com a Metafísica ( e damitir isto está implícito na pressuposição de que excesso de Ser e essência metafísica são uma e mesma coisa) porque a metafísica pressupõe o Absoluto do Mesmo, do idêntico a si mesmo, a abolição do tempo portanto, e da História. Sua visão da História é pobre e bastarda, é mero joguete das categorias; como de tudo o mais que se liga, mais ou menos diretamente, ao(s) devire (s). O caos primordial do qual se lança o Fiat Luz ( a contração de Deus necessária à sua descontração em um mundo, como diria o cabalista Isaac Louria), as trevas sem as quais não haveria definitivamente Luz, pois para que o ente finito se delineie e determine em seus limites como ente, o Infinito tem de sair de cena, ou se contrair no Nada, seu quinhão originário-, ok, é a base teológica sobre a qual parte toda a especulação metafísica primeira, é a origem do thamazein, do espanto diante da conjunção de presença e ausência que inspirou a interrogação filosófica, embora de forma idnireta.
Mas para que haja um diálogo com o judaísmo é necessária uma prévia descontrução da metafísica, que não leve à confusão entre ente finito e sofredor com essência totalitária e absoluta - o modo como Levinas adjetiva a essência mostra bem o balaio em que estamos metidos, o modo como as coisas são designadas/e portanto conceituadas erroneamente. Se diálogo é possível- e acredito que seja-, é apenas após uma desconstrução ( ou retirada de destroços) do pensamento metafísico; aí sim um Outro, existente, finito, sofredor, pode mostrar a face, no lamaçal da História, iluminada ou não pelo clarão da redenção. A Alteridade ( o couple Outro versus Mesmo) metafísica não é o mesmo Outro judaico; ou antes: sua desconstrução, repito, para falar como Kant, é a "condição de possibilidade" da emergência deste Outro alter, que nos afronta no face a face ( como face a face) , aliás, uma metáfora com raízes fenomenológicas que torna tudo ainda mais confuso e angu de caroço.

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